domingo, 23 de março de 2008

A Apologia de Sócrates.


A Morte de Sócrates. Quadro de David


Não poderia esquecer-me de Sócrates....deixo com ele mesmo a sua defesa, por certo não haverão melhores palavras para descrevê-la!!!

Apologia de Sócrates
“(…) De facto, tenho bem consciência de que não sou sábio, nem muito nem pouco. Que quer, então, o deus dizer quando afirma que sou o mais sábio? (…) Interroguei-me durante muito tempo (…) até que me decidi (…) a esclarecer-me da forma seguinte: dirigi-me a casa de um desses que passam por serem sábios (…). Examinei, então, aquele homem a fundo. (…) era um dos nossos homens de Estado (…). Conversando com ele, pareceu-me efectivamente que aquele homem parecia ser sábio aos olhos de muita gente e sobretudo aos dele próprio, mas que o não era de modo nenhum. Procurei, então, provar-lhe que ele não tinha a sabedoria que julgava possuir. Com isto só consegui, dele e de vários assistentes, obter inimigos. Enquanto me ia embora, fui dizendo para comigo: “Afinal, sou mais sábio do que este homem. É possível que nem eu nem ele saibamos algo de belo ou de bom. Mas ele julga saber alguma coisa, quando não sabe nada; ao passo que eu, se não sei nada, também não creio que o saiba”. Depois desse tal fui procurar um outro, um daqueles que passavam por ser ainda mais sábios que o primeiro. A minha impressão foi a mesma e mais uma vez recolhi inimigos, da parte dele e de muita outra gente.
Não deixei por isso de continuar a minha busca. Eu bem sentia, é certo, que só ia conseguindo inimigos e experimentava aborrecimentos e apreensão (…). Aqueles que eram mais famosos pela sua sabedoria pareceram-me ser, salvo algumas excepções, os que tinham mais falta dela (…), ao passo que outros, passando por serem inferiores, me pareceram homens mais sensatos (…).
Foram estas buscas, Atenienses, que suscitaram contra mim os inúmeros rancores (…) de onde provieram incontáveis calúnias (…), os que me ouvem imaginam sempre que conheço as coisas cuja ignorância desmascaro nos outros. (…) Ocupado com isto, nunca tive vagar de me interessar a sério pelos assuntos da cidade, nem sequer pelos meus, vivendo numa pobreza extrema porque estou ao serviço do deus.
(…) Eis, ó Atenienses, a verdadeira regra de conduta: todo o homem que escolheu um posto por julgá-lo o mais honroso, ou que aí foi colocado por um chefe, deve, na minha opinião, conservar-se nele seja qual for o perigo, não considerando nem a morte nem qualquer outro risco, mas, antes de mais nada, a honra.
(…) recear a morte não é senão cuidar-se sábio quando se não é, pois será crer que se sabe o que não se sabe. Ninguém (…) sabe o que é a morte, nem se ela será justamente para o homem o maior dos bens, receando-a como se fosse coisa certa ser ela o maior dos males. (…) as coisas de que não sei se não são bens, nunca as hei-de temer nem evitar.
(…) sou o moscardo que (…) jamais deixa de vos acordar, de vos aconselhar (…).
Para atestar que digo a verdade, sou eu quem traz aqui uma testemunha que sei irrecusável: a minha pobreza.
(…) É absolutamente necessário, quando se quer combater realmente em favor da justiça e se quer viver algum tempo, ficar-se confinado à vida privada e não tocar na vida pública.
(…) Mas, então, porque sentem prazer certos ouvintes em ficar longas horas na minha companhia? (…) é porque gostam de ouvir-me examinar os que se imaginam sábios e o não são, coisa que efectivamente não deixa de ser divertida (…).
Chega, ó juízes! Os argumentos que posso dar em minha defesa reduzem-se, mais ou menos, a estes ou talvez a alguns mais do mesmo género. Mas pode estar alguém no meio de vós que se sinta indignado ao recordar que, tendo também ele sofrido um processo de menor consequência que o meu, rogou e suplicou aos juízes à força de lágrimas, mostrou ao tribunal os filhinhos a fim de o comover o mais possível, e com os filhos muitos parentes e amigos; ao passo que eu, naturalmente, não quero fazer nada disso, ainda mesmo que possa julgar-me à mercê do supremo perigo. (…) “Também eu (…) tenho familiares; pois que, como diz Homero, não nasci nem dum carvalho, nem dum rochedo, mas de seres humanos. Também eu tenho familiares, ó Atenienses, e filhos em número de três, um dos quais é já adolescente e os outros dois pequeninos”. No entanto, não os trouxe aqui para vos levar a absolver-me. (…) para a minha honra, para a vossa e para a da cidade inteira, não me parece conveniente recorrer a qualquer desses meios, com a minha idade e a reputação que tenho (…) No entanto, vi muitas vezes pessoas dessas, que passavam por ser homens de valor, cometerem diante dos juízes baixezas surpreendentes (…). (…) quanto a mim penso que eles desonram a cidade (…).
(…) também não me parece que seja justo rogar ao juiz e fazer-se alguém absolver pelas suas súplicas. É, sim, necessário esclarecê-lo e convencê-lo, porque o juiz não ocupa o seu lugar no tribunal para fazer da justiça um favor, mas para decidir o que é justo. Ele não jurou para dar favores a quem lhe parece bem, mas para julgar de acordo com as leis. (…)
(…) Que pena ou que multa mereço eu, que, em vez de levar uma vida tranquila, descurei o que a maioria dos homens toma a peito: fortuna, interesses familiares, comandos do exército, carreira política, cargos de toda a espécie, ligações e partidos políticos, considerando-me demasiado honesto para salvar a minha vida se entrasse por tal caminho? (…)
É que tenho esta certeza: para onde quer que vá, os jovens virão escutar-me como vêm aqui (…).
Não foi por falta de argumentação que fui condenado, mas por falta de audácia e de descaramento e porque não quis que ouvísseis o que vos daria o maior agrado: Sócrates a lamuriar-se, a soltar gemidos, a fazer e a dizer um monte de coisas que considero indignas de mim, coisas que estais acostumados a ouvir aos outros acusados. (…) Prefiro muito mais morrer depois de me haver defendido como o fiz a viver graças a tais baixezas.
(…) Se a morte é a extinção de todo o sentimento e se parece com um daqueles sonos em que nada vemos, mesmo em sonho, morrer é então um maravilhoso lucro. (…) Se a morte, portanto, for qualquer coisa de semelhante, eu defendo que ela é um ganho, pois que a inteira sucessão dos tempos não parecerá mais do que uma só noite.
(…)
Tenho, porém, uma coisa a pedir-lhes. Quando os meus filhos forem crescidos, ó Atenienses, castigai-os com os mesmos tormentos com que vos atormentei se os virdes andarem à cata das riquezas ou de qualquer outra coisa, em vez da virtude. E se eles imaginarem ser alguma coisa não sendo nada, envergonhai-os como eu vos fazia, por negligenciarem o seu dever e se julgarem ser alguma coisa quando não têm qualquer mérito. Se fizerdes assim, ter-nos-eis tratado com justiça, a mim e aos meus filhos.
Mas chegou a hora de nos irmos, eu para morrer, vós para viver. Quem de nós tem a melhor parte, ninguém sabe, excepto o deus.

Platão
Até mais,
Maíra Motta

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